Mercedes Sosa, a voz dos sem voz na Argentina
Mercedes Sosa, também conhecida como “La Negra” e aclamada como “A voz dos sem voz” foi uma cantora e ativista argentina conhecida por uma voz marcante e letras que retratavam os conflitos e contextos sociais da época. Ela foi a maior representação da música folclórica argentina, carregando até hoje o título da ‘’Voz da América Latina’’,
pela sua sensibilidade e representação política. A voz que se tornaria símbolo da resistência as ditaduras latino-americanas.
Sosa nasceu em 9 de julho de 1935, em San Miguel de Tucumán, na província noroeste da Argentina. Ela era mestiça, sendo de ascendência Francesa, espanhola e Diaguita. Esta mistura mais adiante seria refletida na música dela. Seu pai trabalhava na lavoura de cana de açúcar de e a mãe como lavadeira para famílias pudentes da região. Ambos foram peronistas fervorosos, fato que exerceu grande influência na vida e música de Sosa.
Ela iniciou sua carreira por acaso, aos 15 anos. Um dia a professora do colégio adoeceu e ela, com outros colegas, decidiu participar de um concurso da rádio. Com incentivo destes colegas, Sosa criou coragem para cantar. É que apesar de ter uma voz hipnotizante, o pavor de cantar em público era uma luta constante para ela. Para sua
surpresa, ela ganhou o concurso; mas temendo a reação dos pais, participou usando outro nome: Gladys Osorio. Assim, Sosa continuou cantando na rádio, até que seu pai descobriu e deu todo o apoio necessário.
O contexto em que Sosa começou a cantar não poderia ter sido mais propício. Na época, estava surgindo o boom do folclore, graças à migração de trabalhadores rurais para as grandes cidades, fazendo com que até o Tango perdesse espaço para música folclórica. Mais adiante, em 1963, Sosa, Oscar Matus (seu marido na época) e Armando Tejada Gómez formaram um trio artístico de grande peso. Juntos encabeçaram o movimento “Nuevo Cancionero”. Armando Tejada deu as palavras, Oscar Matus a música e Mercedes Sosa a voz. O movimento que refletia talento, generosidade e visão gerou um grande vínculo com o popular.
Em 1965 ela participou da 5ª edição do Festival Folclórico de Cosquín. Ela subia aos palcos acompanhada só com seu tambor e voz; o suficiente para cativar e conquistar o público. Mesmo antes de terminar a sua apresentação o público aplaudia em delírio. Este sucesso lhe permitiu assinar um contrato com a Polygram. Assim, ela gravou seu
terceiro disco, “Yo no Canto por Cantar”, o qual a transformaria numa cantora de renome internacional.
Ela continuou trabalhando, gravando discos, se apresentando e fazendo grandes parcerias. Depois do Coup d’état de 24 de março de 1976, Sosa teve seu nome incluído na “lista negra” por ser uma declarada comunista se suas músicas foram proibidas. Dadas as circunstâncias, Sosa aproveitou para faze um tour pela Europa e norte da África. Tour que terminaria em 1977 no Brasil, onde ela gravou com Milton Nascimento. Este seria o princípio das inúmeras parcerias que ela viria a ter com cantores no Brasil, entre eles Fagner, Chico Buarque, Gal Gosta, Beth Carvalho e
Daniela Mercury, com os quais fez duetos históricos.
Apesar das proibições e ameaças, Sosa voltou para Argentina. No ano de 1978, enquanto ela apresentava um recital em LaPlata, ela e metade da plateia foram presos. Sosa foi exilada e viajou a Paris, e depois a Madrid. O exílio foi extremamente doloroso para a cantora, especialmente devido a morte do seu segundo marido, Pocho Mazitelli, no mesmo ano. Como o período de exílio promoveu muita tristeza para ela, isso refletiu claramente na sua produção.
Em fevereiro de 1983, ela voltou para sua querida Argentina onde apresentou 13 recitais completamente lotados. Infelizmente, ela foi forçada a fugir quando ficou sabendo que um dos maiores genocidas da história Argentina, Admiral Carlos Albero Lacoste, perguntou: “Quem deu autorização a Mercedes Sosa para estar no meu País?” Sosa só consegiu voltar definitivamente para Argentina em dezembro do mesmo ano, depois que a democracia havia sido reestabelecida.
Ela continuou gravando, produzindo e fazendo parcerias pelo mundo. Em todo lugar que Sosa se apresentava, estádios e teatros lotavam. A cantora chegou a se apresentar The Lincoln Center, The Carnegie Hall, El Mogador, em Paris; The Concertegebouw, em Amsterdam; The Colón Theater, em Buenos Aires; no Coliseu, em Roma e até no
Vaticano.
No final da sua vida, aos 74 anos, ela tinha gravado mais de 30 álbuns, recebido 5 Grammy Latinos e inúmeros prêmios nacionais e internacionais. Seu impacto político, cultural e artístico é inegável. Porém, o mais importante de seu legado foi a mensagem de liberdade, de luta contra as ditaduras, a procura pela igualdade e o mais importante: a mensagem de esperança. Concluindo, trago como reflexão o seguinte trecho da canção “Eu só peço a Deus”:
“Eu só peço a Deus
Que a dor não me seja indiferente
Que a morte não me encontre um dia
Solitário sem ter feito o que eu queria
Eu só peço a Deus
Que a injustiça não me seja indiferente
Pois não posso dar a outra face
Se já fui machucado brutalmente
Eu só peço a Deus
Que a guerra não me seja indiferente
É um monstro grande e pisa forte
Toda pobre inocência desta gente”
(…)