Emmeline Pankhurst: de sufragista a assassina?
Era um domingo de verão em Londres, nos idos que smartphones e câmeras digitais eram algo nas mãos de poucos. Eu, que morava a poucos minutos de Westminster, decidi sair e ver o que se passava pela cidade que marcava em seus termômetros mais de 30 graus. Não fosse o clima seco, poderia jurar que estava a andar na Conde da Boa Vista ao meio-dia. Depois de ver dezenas se divertindo nas fontes em frente a National Gallery, me dirigi a Westminster e, como que por um passe de mágica, fui sequestrado por um
parque que nunca havia visto antes: Victoria Tower Gardens. Na entrada, uma estatua me convidou a conhecê-la.
Em meus 19 anos, não a conhecia – Emmeline Christabel Pankhurst. Do alto do seu palanque, armada de bronze, se apresentou: lutei pelo sufrágio universal.
Nascida em meados do século XIV, Pankhurst foi uma ativista política. Ela é conhecida por ter ajudado a organizar o movimento sufragista por meio do Women’s Social and Political Union, um movimento formado somente por mulheres engajadas em ação direta e desobediência civil. No final do mesmo século, algumas nações já haviam transposto essa barreira, como a Nova Zelândia, que se tornou o primeiro país no mundo a garantir para mulheres acima dos 21 anos de idade.
A luta das “Suffragettes”, como o Daily Mail as chamavam, no intuito de diminuí-las, englobou o uso de bombas, incêndios, depredação e até greve de fome, para a qual o governo ordenou alimentação forçada. O ápice de suas ações pode ser considerado o dia em que Emily Davison se posicionou em frente ao cavalo do rei no Epsom Derby de 1913, vindo a óbito e trazendo notoriedade internacional para essa luta social essencial.
A batalha precisou ser interrompida quando a Primeira Guerra Mundial eclodiu, mas seus esforços não foram em vão. Em 1918, as mulheres acima dos 30 anos que preenchiam uma certa demanda social passaram a votar e, 10 anos depois, todas as mulheres a partir dos 21 anos ganharam a autorização de exercer seus papeis como cidadãs e compor a sociedade por completo.
Porém, em 2020, após o assassinato de George Floyd pela polícia de Minneapolis com requintes de crueldade e falta de empatia, uma onda de revoluções varreu inúmeras cidades e derrubou, literalmente, monumentos dedicados a pessoas que lucraram, mantiveram e deram força à escravidão. Esse movimento marcou o ano de 2020 e abriu a porta para uma nova maneira de ressignificar a história.
– Sim, mas o que Emmeline tem com isso?
De acordo com o grupo Fathers4Justice, que luta para que homens sejam tratados igualmente no que tange aos seus direitos parentais após divórcios, o monumento a Pankhurst é um ultraje, pois ela e sua filha faziam parte da White Feather Campaign. Essa campanha foi responsável por atacar publicamente milhares de homens jovens que se recusaram a atuar na guerra. De acordo com Matt O’Connor, fundador do F4J, muitos desses homens já haviam voltado da guerra, sofriam de problemas mentais e físicos, mas foram taxados como medrosos e não-patrióticos.
O’Connor vai além e diz ser muito importante que debatamos sobre figuras públicas com um passado cheio de fantasmas. Ele pontua que a luta de Pankhurst pelo sufrágio não pode ser um fator que cegue a sociedade para o sangue de inocentes que pinga das mãos dela.
Então, caro leitor, até onde podemos e devemos prestar homenagem a figuras que desempenharam papéis importantíssimos para o avanço da sociedade? E até onde suas ações e crenças podem ser tomadas como um fator que eclipse o seu trabalho? É claro que em casos como os acontecidos em meados de 2020 são inquestionáveis: escravizadores, não importam o que tenham feito, sempre terão seu lugar na coluna do “mal” na história. Mas devemos agora, diante de uma nova perspectiva de sociedade, revisitar a bibliografia de todos os nomes históricos? Quem serão seus advogados? Quem serão seus acusadores? Quem será o júri? Chegou a hora de recontar a história? Como sempre, deixo essa grande questão para vocês pensarem e tirarem suas próprias conclusões.